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Levantamento

Políticas públicas, divisão de verbas e mais: como a suspensão do Censo afeta o país

Censo dados
O Censo, pesquisa mais profunda e precisa que temos sobre a população do Brasil, deveria ter ocorrido em 2020, mas vai ficar para 2022. (Foto: Divulgação/IBGE)

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Suspenso em 2020 em razão da pandemia do novo coronavírus, o Censo Demográfico foi praticamente inviabilizado em 2021 após o corte de 96% dos recursos para o levantamento na versão aprovada pelo Congresso da Lei Orçamentária Anual (LOA). Mais do que uma contagem do número de habitantes, o levantamento traz um panorama atualizado de indicadores sociais em nível inframunicipal, permitindo a formulação e acompanhamento de políticas públicas e distribuição de recursos para os entes federativos, por exemplo.

No início do mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo Censo, decidiu suspender as provas do concurso para recenseadores e agentes censitários após a redução da verba destinada ao levantamento, que despencou de R$ 2 bilhões para apenas R$ 71,7 milhões. As 204,3 mil pessoas que seriam contratadas iriam a campo entre agosto e outubro deste ano. A presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, pediu exoneração do cargo logo após o Congresso cortar recursos.

A falta de dados atualizados deve afetar diretamente a distribuição de recursos da União para estados e municípios. A contagem populacional é um dos parâmetros utilizados para o cálculo dos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Nas unidades federativas, o indicador demográfico também é base para a definição do porcentual de transferência de impostos como IPVA e ICMS para as prefeituras. Até mesmo a quantidade de representantes nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional depende do total de habitantes de cada ente federativo.

Nos períodos intercensitários, o IBGE faz estimativas de populações estaduais e municipais aplicando um método matemático que leva em consideração a projeção da população estadual, a distribuição por meio de métodos demográficos e a tendência de crescimentos dos municípios delineada pelos números captados nos últimos dois Censos. Além disso, incorpora alterações de limites territoriais municipais ocorridas desde o último recenseamento.

O problema é que, em razão da pandemia de Covid-19, há estudos que apontam que alguns municípios brasileiros devem registrar número de óbitos equivalente ou até superior ao total de nascimentos nos próximos meses. O movimento foge da tendência observada no país historicamente, o que se torna um complicador aos modelos de estimativa populacional utilizados pelo IBGE.

“Neste momento, o Censo é oportuno para atualizar os números, que, por causa dessa sobremortalidade, certamente vão ter diferença em relação às estimativas”, afirma o economista e matemático Paulo Jannuzzi, pesquisador na área de estatísticas públicas e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. “Além disso, é uma doença que tem atingido de forma desigual a população negra e mais pobre, então há mudanças sociais muito relevantes.”

Em 2022 completam-se 150 anos da realização do primeiro Censo Demográfico do Brasil. O primeiro levantamento, realizado em 1872, quando o país era governado por Dom Pedro II, foi o único feito na época do Império, ainda durante o regime escravocrata. Novos recenseamentos ocorreram em 1890, em 1900 e em 1920.

A partir de 1940, a pesquisa passou a ser feita em intervalos de dez anos, tendo sido adiadas apenas as edições de 1990, que ocorreu em 1991 por causa do atraso na contratação de recursos humanos, e de 2020, em razão da pandemia do novo coronavírus.

Dados servem para políticas públicas e para o setor privado

Também em periodicidade decenal, todos os municípios do país precisam atualizar seus planos diretores de desenvolvimento, definindo políticas como de crescimento urbano, mobilidade e construção de moradias.

“Para isso, o Censo, que é o mais completo levantamento demográfico realizado no Brasil em nível de município, é fundamental”, diz Jannuzzi, que cita outros exemplos. “Para campanhas de vacinação, como a que está em andamento contra a Covid-19, é necessário não apenas o quantitativo da população, mas também o conhecimento sobre o tamanho dos grupos etários”, ressalta.

“O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que os municípios garantam vagas em creche para ao menos 50% da população entre 0 e 3 anos até 2024. Então você precisa saber com precisão quantas crianças nessa faixa etária existem em cada cidade.”

A maior parte dos indicadores de acompanhamento de políticas públicas é baseada em denominadores populacionais, o que permite fazer comparações entre municípios de diferentes dimensões. A evasão escolar, por exemplo, é obtida a partir da relação entre o número de matrículas e total de crianças e adolescentes de uma cidade. “Os dados censitários têm utilidade não apenas para a estimação de demanda de públicos, mas também para o monitoramento e avaliação das políticas em andamento.”

As informações levantadas pelo Censo vão em nível ainda mais profundo, uma vez que, no levantamento, cada cidade é dividida em setores censitários de aproximadamente 300 domicílios. Isso permite aos gestores saber em cada município onde estão concentrados os bolsões de pobreza, para a atuação das equipes de assistência social, para citar um exemplo.

O setor privado também se beneficia de informação demográfica confiável. “É fundamental para as empresas conhecer as características dos mercados consumidores, onde estão concentrados os segmentos de cada classe social, com perfil de maior ou menor escolaridade e determinada faixa etária”, diz Jannuzzi. “Uma escola de inglês, por exemplo, usa esse tipo de informação para instalar suas unidades em regiões onde se concentrem crianças e adolescentes de classe média.”

Levantamento tem de ser feito presencialmente

Além do entrave orçamentário, há dificuldades para a realização do levantamento em meio à pandemia em razão das restrições sanitárias.

“Há um risco de que o Censo tivesse problemas operacionais que o levassem a ser rechaçado. Este ano, haveria grandes chances de se encontrar uma quantidade relevante de domicílios fechados. Pessoas que foram para outros municípios temporariamente em meio à quarentena, por exemplo, o que geraria um problema de estimativa muito complexo”, diz o pesquisador.

Em alguns países desenvolvidos, o recenseamento já é realizado em grande parte remotamente. No Canadá, cerca de 70% dos moradores respondem à pesquisa pela internet. Nos Estados Unidos, quase metade da população envia o questionário pelo correio. “Mas isso é inviável no Brasil, um país de muita exclusão. As experiências que o IBGE tem com coleta pela internet ou com autopreenchimento não são positivas”, diz Jannuzzi.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) tem sido mantida durante a pandemia por meio de ligações telefônicas, mas a taxa de sucesso na obtenção de respostas é considerada baixa.

Além disso, no ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) impediu o compartilhamento de dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com o IBGE, o que impossibilita a realização do Censo por esse meio. Para o pesquisador, uma mudança no método de coleta de dados pode ser pensada para a edição de 2030, mas ainda não tem como ser levada em consideração para a próxima pesquisa.

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Paulo Guedes defendeu redução no orçamento para o Censo

Os R$ 2 bilhões que estavam previstos inicialmente para a realização do Censo 2021 já eram considerados escassos pelo IBGE, que estimava em R$ 3,5 bilhões o valor necessário para o levantamento. Segundo Jannuzzi, o recenseamento brasileiro é relativamente barato comparado ao de outros países. “R$ 3,5 bilhões divididos por 210 milhões de habitantes em dez anos dá pouco mais de R$ 1,60 por habitante por ano.”

“O ideal era que tivéssemos censos ainda mais frequentes, em razão da utilidade do levantamento. A gente só realiza a cada dez anos porque ainda não é viável fazer a cada cinco, como ocorre na França, por exemplo”, diz.

“Desde 1994, conseguimos constituir no Brasil um sistema de políticas públicas de fundamental importância para a transformação social, que tem a ver com o uso cada vez mais qualificado do sistema estatístico”, avalia o pesquisador. “Infelizmente não é o que a gente tem visto acontecer de uns anos para cá.”

Ainda em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a redução no orçamento do IBGE e criticou o tamanho do questionário do Censo previsto até então para 2020. “O Brasil é um país pobre e faz 360 perguntas. Custa muito caro e tem muita coisa do nosso ponto de vista que não é tão importante”, disse, em entrevista à GloboNews, quando defendeu uma pesquisa com “10 ou 12 perguntas”.

Na verdade, o último Censo, realizado em 2010, tinha um total de 34 perguntas na versão básica do questionário, que é levada a 89% dos entrevistados, e 112 questões na completa, que é aplicada por amostragem em 11% dos domicílios. O primeiro Censo brasileiro, realizado em 1872, tinha 14 perguntas.

“O questionário foi aumentando porque a economia foi se complexificando, a sociedade foi se modificando e demandando determinadas informações que antes eram indisponíveis”, diz Jannuzzi. “Por exemplo, dados sobre pessoas com deficiência, que podem ser de seis tipos, são importantes para os municípios e para organizações como as Apaes, na definição da oferta de serviços para esse grupo social.”

Para o pesquisador, afirmações sobre a qualidade técnica de órgãos como o IBGE, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) dificultam o trabalho dessas instituições porque minam diretamente sua legitimidade.

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